Wednesday, February 29, 2012

Horas de tensão e o final da remada

[Por favor clique nas imagens para ampliá-las]
Praia da Ponta Grande

A parada para almoço na Praia da Ponta Grande foi mais um marco se levarmos em consideração nossa remada em grupo. Germano, obtendo informações com o morador local - que era uma figura bastante estranha, parecendo estar embriagado (é preciso ressaltar) -, decidiu que o melhor seria encerrar a remada por ali mesmo, tendo em conta que estava encontrando dificuldades em remar sem leme e considerando que as informações recebidas não eram muito animadoras. Segundo o morador, as condições não deveriam estar boas para caiaques, com ondas quebrando na foz do rio.
Fernando acabou optando pela decisão do Germano de não continuar a remada, apesar da insistência de todos os outros, menos a Tiane. Ela também estava receosa com o percurso que viria a seguir e não queria remar no meio das ondas.
Nessa altura dos acontecimentos eu insistia com o Germano para que fôssemos todos juntos, que não havia motivo para desistências, que poderíamos até mesmo entrar no mar e, se as condições estivessem difíceis, abortar a remada. Agora que tudo passou, no conforto do lar em 'terra firme', reconheço que avaliei mal as condições do mar, subestimando as informações de quem mais conhece o local (nesse caso, o morador, que não parecia fonte de informação confiável). Olhando para a água de onde estávamos não havia sinais de condições adversas, então naquele momento procurei incentivar Fernando, Germano e Tiane a continuar a remada.
Mas a despeito das tentativas de convencimento, Germano e Fernando decidiram mesmo permanecer na praia. Fernando seguiria a pé até Tijucas para buscar o carro do Germano e aí eles voltariam para casa. Esse era o plano, mas nem imaginavam em que aventura estariam se metendo... [Para saber o desfecho da aventura de Fernando e Germano e ver mais fotografias, por favor visite o blog do Germano - Caiaques & Tralhas - ou clique diretamente nesse link]

Partimos, então - Márcio e Otávio no caiaque duplo, Jair, Alvares, Tiane e eu - com destino a Tijucas, onde pretendíamos entrar no rio e remar até bem perto de onde haviam ficado os carros. Seguindo minha sugestão, iniciamos entrando no mar aproximadamente contra a direção predominante da ondulação, até que nos afastássemos suficientemente da costa e da área menos profunda, onde as ondas estavam maiores e com algumas cristas quebrando. Passamos pela região onde a água estava mais amarelada por causa da areia revolta no fundo e quando chegamos em água azul-esverdeada mudamos o curso passando a seguir a direção das ondas.



Márcio e Otávio estavam no caiaque duplo que, além de ser muito mais veloz, ainda estava com a vela, de modo que foram tomando a dianteira e sumiram de vista. Jair e Alvares remavam juntos e estavam nas proximidades, enquanto eu procurava diminuir o ritmo para ficar bem perto e prestar alguma assistência para a Tiane.
À medida em que avançávamos as ondas começaram a ficar mais cavadas e mais cristas começavam a romper. Olhando para a frente eu começava a perceber padrões de arrebentação onde deveriam existir bancos de areia e fui orientando a Tiane a respeito da direção para onde deveríamos ir. Tiane foi ficando mais e mais nervosa com a situação, reclamando que não conseguia manter a direção com o caiaque sem leme, reclamando que as ondas estavam quebrando, reclamando que queria ir para a praia... Um pouco adiante ouvi ela gritando, já desesperada: "- Eu quero um barco, chama um barcooo!!!"
Obviamente ela estava em pânico, que é uma situação muito mais perigosa do que simplesmente estar com medo, por desestabilizar de tal forma a pessoa que ela passa a ter atitudes absolutamente descontroladas. Sem esperar, gritei bem alto algo como "-Agora chega, PÁRA!!!"
Surtiu o efeito desejado, imediatamente ela passou a se concentrar na remada, percebendo que na realidade ainda tinha o controle da situação, apesar do caos.
Remávamos diretamente para a praia e não mais na direção de onde imaginávamos estar a foz do rio e nesse momento percebemos que Jair e Alvares estavam com algum problema. Jair havia capotado e ao perguntarmos se precisavam de ajuda, Alvares sinalizou que estava tudo bem. Continuamos remando em direção à praia onde eu esperava encontrar arrebentação pela frente; ali sim, a chance real de capotarmos seria bem maior.
Mais uma vez eu estava enganado, pois a altura das ondas foi diminuindo consideravelmente enquanto nos aproximávamos das dunas de areia já visíveis em frente. Pela cor completamente marrom, antes de verificar com o remo qual seria a profundidade, eu já sabia: estávamos em uma enorme praia de lama!!! Isso explicava as ondas diminuindo e a ausência de arrebentação e criava um grande problema - não teríamos condições de chegar com o caiaque na areia firme da costa! De um lado tínhamos água suficientemente profunda para remar, mas grande quantidade de ondas; de outro lado, uma margem próxima mas inatingível, por estar protegida por uma verdadeira muralha invisível de lama...
Nessa situação voltamos a nos encontrar e enquanto sondávamos alguma alternativa de rumo para a areia - sem sucesso, pois chegamos a encalhar no lodo -, Márcio e Otávio decidiram que tentariam negociar com as ondas em profundidade um pouco maior para tentarem chegar à foz do Tijucas. Enquanto desencalhávamos observamos que os amigos estavam conseguindo progredir e optamos pela mesma alternativa, mesmo com a resistência da Tiane com relação às ondas.
Devagar, lentamente negociamos por entre as ondas cor de chocolate e fomos nos aproximando da foz, onde o padrão de ondas era um pouco diferente por causa da maior profundidade e correnteza contrária. Enxergamos que Márcio e Otávio haviam conseguido chegar na praia e seguimos na mesma direção, já sentindo os efeitos da correnteza do rio e ao mesmo tempo a ondulação vinda do mar. Tiane remava na minha frente e quando já estava quase chegando na areia viu que Jair havia capotado. Ela continuou até a praia enquanto eu manobrava para fazer meia volta, seguindo com velocidade para ajudar Jair; manobrei para colocar o caiaque a contrabordo e joguei o peso do corpo sobre o seu caiaque, estabilizando e segurando caiaque e remo com firmeza, enquanto Jair tratava de subir apoiado nos dois caiaques. Retornou ao cockpit, sentou-se e fechou a saia e lhe devolvi o remo; a partir dali, seguiu para a praia. Enquanto isso, tratei de apanhar a garrafinha d'água que ele havia perdido durante a capotagem. Depois da remada, observando o registro feito pelo gps, percebi que, no curto espaço de tempo em que estávamos em procedimento de resgate, fomos levados pela correnteza do rio Tijucas em direção ao mar.

Foz do rio Tijucas

Aproveitei a breve parada na foz do rio Tijucas para fotografar um pouco.

Morro do Macaco ao longe


Sedimentos e vegetação depositados pelo rio


Aves


Enquanto fotografava, vi que um pescador descia o rio com seu barco; ao chegar na foz do rio e ver as ondas do mar, deu meia volta e retornou. Deveria ser sinal de que realmente as condições não deveriam ser boas...

Pescador descendo pela foz do rio...
...e retornando, depois de desistir.

Ainda precisávamos subir o rio, então tratamos de colocar os caiaques de novo na água e voltamos a remar.



Subindo o rio Tijucas

No Oeste um temporal parecia se aproximar e parecia que remávamos diretamente para as nuvens negras. Para me distrair, admirava as margens do rio Tijucas. Bem perto de onde remávamos havia uma vegetação exuberante, mas na margem oposta a ocupação urbana praticamente acabou com a flora.

Bonito casarão na margem do rio

O temporal acabou se deslocando para o Norte, embora algumas nuvens carregadas ainda permanecessem à vista quando nos aproximamos da ponte da BR 101.

Temporal se afastando

Ponte da BR 101



Em nosso grupo remanescente de remadores, Márcio, Jair e Tiane haviam deixado os carros em Tijucas, de maneira que provavelmente algum dos três deveria ter ideia de em que local do rio deveríamos terminar a remada. Mas não foi o caso...

Márcio procurando a saída

Casas na margem do rio - onde está a mata ciliar?

Depois de uma tentativa frustrada de encontrar uma saída, continuamos subindo o rio sem ter ideia de onde poderia ser o final da remada. Passamos por uma ponte curiosa, que por bastante tempo foi a única ligação entre os dois lados do rio, a ponte Bulcão Viana:

Ponte Bulcão Viana


"A ponte Bulcão Viana foi construída em 30 de abril de 1930 na cidade de Tijucas em Santa Catarina e foi a principal ligação do Norte com o Sul catarinense durante várias décadas até a construção da BR 101.
Historicamente foi construída com a sobra de materiais da Ponte Hercílio Luz que liga a Ilha de Santa Catarina ao continente, trazida dos Estados unidos. Desde sua inauguração era conhecida apenas como Ponte de Tijucas; só um mês depois, após Antônio Vicente Bulcão Viana assumir o governo de Santa Catarina, em forma de homenagem do prefeito de Tijucas (na época) Jacob Lameu Tavarez, foi batizada de Ponte Bulcão Viana.
Desde sua inauguração nunca passou por grandes reformas, atualmente está em reforma ainda com o tráfego liberado para pedestres e carros de pequeno porte. Atualmente, liga os bairros Pernambuco e XV de Novembro, além de dar acesso ao Sul aos bairros do Timbé e Itinga e ao Norte ao centro da cidade de Tijucas."
[Fonte: Wikipedia]


Logo depois da ponte tivemos a tripla felicidade de encontrar uma festa de aniversário, um local para desembarque e, de quebra, sem querer estávamos relativamente perto do local onde haviam ficado os carros - e o melhor de tudo é que tudo isso estava em um só lugar!




 Crianças e adultos curiosos com os caiaques


 Desembarcamos em plena festa de aniversário!

Subimos pela rampa na margem com cuidado, pois havia uma chapa lisa que não combinava com barro...
Mal ajeitamos os caiaques e Tiane já se dispôs a buscar a Parati enquanto eu retirava as tralhas dos compartimentos estanques; enquanto isso, Otávio já tomava uma cervejinha oferecida pelos anfitriões improvisados. Tiane retornou com o carro e guardamos os caiaques e tralhas; ao nos despedirmos, vimos que Otávio já tinha mais seguidores.
Nosso clima, no entanto, não estava muito para comemorações e muito menos para bebedeiras, pois estávamos preocupados com os amigos Germano e Fernando, "perdidos na ilha de Lost" como brincou Germano mais tarde. Pelo que sabíamos Fernando iria a pé buscar o carro em Tijucas, mas o carro do Germano ainda estava no posto de gasolina, então Fernando ainda não havia chegado. Para complicar a situação, Fernando não conhecia nem a cidade e nem o local onde haviam sido deixados os carros. Começamos a circular na cidade à procura de Fernando, sem êxito. Seguimos na direção de onde pensávamos ser o acesso para a Praia da Ponta Grande, também sem sucesso. Retornamos para a cidade e recebemos o telefonema do Márcio, avisando que havíamos esquecido os remos. Na pressa para tentar ajudar os amigos, deixamos os remos para trás! Retornamos à festa de aniversário, agradecemos, guardamos os remos e passamos novamente no posto de gasolina e, para nossa surpresa, o carro do Germano não estava mais lá o que significaria que Fernando já estava a caminho para resgatar Germano, caiaques e tralhas. Ligamos para o Germano contando as boas novas e tratamos de pegar a estrada, nem imaginando a aventura que eles ainda teriam pela frente...

Não foi o final de remada que eu imaginava ou mesmo no estilo ao qual estamos acostumados, com a já tradicional fotografia do "iuhúúú!!!" Também não foi uma remada que aconteceu da maneira como foi idealizada. Mas com plena certeza foram quase 65 km remados repletos de aprendizados no que se refere a comportamento de grupo, capacidade de liderança e avaliação e gestão de riscos - e tudo isso em um ambiente espetacular!!!

Informações disponibilizadas pelo gps levado no caiaque:

- distância remada: 24,55 km;
- tempo remado: 4 h 39 min;
- velocidade média: 5,3 km/h;
- velocidade máxima: 16,8 km/h;
- tempo parado: 3 h 6 min;
- velocidade média geral: 3,2 km/h.

Distância acumulada na remada: 64,74 km.

 [Trajetos e legendas sobre imagem do Google Earth]
Travessia em Zimbros

 [Trajetos e legenda sobre imagem do Google Earth]
Parada para almoço na Praia da Ponta Grande

 [Trajetos e legenda sobre imagem do Google Earth]
Remada com momentos de tensão

[Trajetos e legenda sobre imagem do Google Earth]
 Foz do rio Tijucas

 [Trajetos sobre imagem do Google Earth]
Percurso no rio Tijucas

 [Trajetos sobre imagem do Google Earth]
Percurso completo do terceiro dia

[Trajetos sobre imagem do Google Earth]
Percursos dos três dias de remada

Monday, February 27, 2012

Terceiro dia: Zimbros à Praia da Ponta Grande


O terceiro dia de remada começou com tempo excelente. O local onde acampamos revelou-se bastante tranquilo e barraca e os caiaques permaneceram longe da água. Logo cedo percebemos a fumaça da fogueira reavivada pelos colegas de remada no acampamento ao lado. Pelo que ficamos sabendo, Jair e Alvares pretendiam chegar o mais cedo possível em Tijucas, pois temiam o longo retorno pela estrada congestionada; eles nos acompanhariam até terminarmos a travessia da Enseada de Zimbros e aí seguiriam em frente com mais velocidade. Tratamos então de abreviar o café da manhã para desmontar o acampamento e guardar as tralhas nos caiaques.







Por volta das oito horas da manhã, Fernando, Germano, Tiane e eu empurramos os caiaques para a água e remamos até o acampamento de Jair, Alvares, Márcio e Otávio, onde as barracas ainda estavam de pé. Como nenhum horário de saída havia sido estabelecido e parecia que estávamos adiantados, aproveitei para remar um pouco em direção à ponta por onde não havíamos remado na véspera e passei por entre as boias das estruturas de cultivo de ostras.
Pouco mais de meia hora depois estavam todos prontos e começamos a tranquila travessia da Enseada de Zimbros.






Terminada a travessia da calma enseada, passamos a remar acompanhando o contorno da costa. Aparentemente Jair e Alvares resolveram mudar de ideia e não seguiram com velocidade à frente para chegarem logo a Tijucas; continuaram remando tranquilamente conosco.





A grande praia arenosa de Zimbros deu lugar a alternâncias entre regiões rochosas e praias de tombo, nas quais existe apenas uma onda na arrebentação. Esse tipo de praia pode ser perigosa, pois se a potência da onda for consideravelmente forte pode provocar danos no equipamento ou ferimentos no remador.




As praias pelas quais passamos não eram propícias para uma aportagem e já estávamos cogitando uma parada para almoço. Em dado momento, Márcio e Otávio repentinamente desviaram para a costa, passaram por entre pedras e desceram em uma minúscula faixa de areia. O restante do grupo aguardou um pouco para entender o que estava acontecendo, mas acabamos sinalizando que seguiríamos adiante para encontrar local para almoço. À medida que avançávamos era possível perceber que as ondas começavam lentamente a aumentar.
Comecei a remar um pouco à frente para localizar algum acesso e, passando por uma região com ondulação um pouco maior, contornei algumas pedras e "dobrando a esquina" para a direita, rumei para a Praia da Ponta Grande, completamente protegida de ondas. Antes de descer na areia, retornei para acompanhar a chegada dos parceiros de remada e ver se localizava o caiaque duplo com Márcio e Otávio, mas não enxerguei mais ninguém.

[Trajeto sobre imagem do Google Earth]
Percurso na Praia da Ponta Grande

Algum tempo depois estávamos na praia e vimos o caiaque duplo - rapidamente pegamos os remos e começamos a sinalizar; em pouco tempo, os amigos do duplão estavam conosco.
Enquanto tratávamos de providenciar as tralhas para almoço, Germano travava contato com um morador do local. Havia mais pessoas que haviam chegado na praia em um veículo 4x4 e ocupavam um espaço próximo de onde estávamos.





Almoçamos em meio a pedras que serviram de mesa e bancos, sob agradável sombra de frondosas árvores. Nem imaginávamos as emoções que estavam por vir...